Lá em
Minas Gerais existem algumas expressões que soam como "deseducadas".
Exemplo disso é a palavra "chouriço". Ela é usada como resposta
àquelas perguntas as quais não queremos responder. O outro nos pergunta:
"O que é isso?". E rapidamente respondemos: "Chouriço".
Pronto, mostramos que a pergunta não nos agradou. Na verdade, dizer chouriço é
uma forma velada de anunciar: "Não é da sua conta, sai pra lá seu bicudo,
que eu não lhe devo satisfações!".
Portanto,
além de ser linguiça de sangue cozido, em Minas Gerais, a palavra
"chouriço" também adquiriu um tom de afronta e revela a má criação
daquele que a utiliza como resposta.
Só que
existem situações em que o chouriço é chouriço mesmo! E assim se deu com minha
mãe. Quando criança, em virtude da difícil situação financeira de sua família,
minha avó fazia minha mãe sair pelas ruas da cidade com um balaio nos braços,
vendendo os mais diversos produtos caseiros. O mais comum era o sabão de bola
feito de coalho.
Mas, num
belo dia, o conteúdo do balaio era tal chouriço feito pela minha avó. Foi aí
que um senhor abordou perguntando: "Que que cê tá vendendo aí
menina?". Minha mãe prontamente respondeu: "Chouriço!".
"Mal-educada, sua mãe não te deu educação não?", retrucou o velho.
Assustada, minha mãe respondeu medrosa: "É chouriço mesmo, moço!". E,
destampando o balaio, mostrou ao velho o seu conteúdo.
Coisas
como essas me fazem pensar nos mistérios dos códigos de linguagem humana. Uma
mesma palavra pode ter os mais diversos significados. Tudo depende do lugar e
da forma como é empregada.
Em
Portugal, por exemplo, a palavra "bicha" também significa fila.
Portando, dizer que vai ter de enfrentar uma bicha para pagar uma conta no
banco não significa nenhum problema aos nossos irmãos lusitanos. Já aqui no
Brasil, fica muito complicado dizer isso, afinal às cabeças maldosas já iriam
imaginar coisas horríveis daquele segurança que fica parada na porta do banco!
Se chegar
a Porto Alegre e disser numa padaria que você quer uma torrada, em poucos
minutos lhe servirão aquilo que chamamos de misto-quente. Já em outros lugares
se pedir uma torrada, você receberá uma fatia de pão com aspecto de cadáver.
Torrada é um pão morto. Tenhamos coragem de reconhecer. Torrada é uma coisa sem graça que só desce sob ameaça
cardiologistas, endocrinologistas e outros "istas" que temos por aí.
Misterioso
mundo das palavras. Você já imaginou se alguém chegasse para você e gritasse,
olhando nos seus olhos, a palavra "merda"? Pois é, certamente você
ficaria ofendidíssimo! Mas no mundo do teatro, isso é o mesmo que dizer:
"Boa sorte"!
Não sei.
O que sei é que chouriço nem sempre é chouriço, torrada nem sempre é torrada e
bicha nem sempre é bicha. Tudo depende do contexto!
Também o
sentimento humano é como as palavras. É que nem sempre a palavra pronunciada é
coerente com o sentido mais profundo que a motivou. Nisto está a falsidade:
Usar a palavra fora do contexto do sentimento. Essa desarticulação gera a
mentira, faz brotar a dúvida e a insegurança nas relações. É o mesmo que bater
na cara com o intuito de dizer que se ama.
Mais fácil
seria revelar o amor por meio do beijo, porque assim cessaria a desarticulação
das realidades.
Mas o beijo de Judas não
representou uma traição? Pois é, mas o que se seguiu foi pior ainda: O suicídio
por enforcamento significou o arrependimento. Na verdade, o que estou
precisando mesmo é tirar "água do joelho", mas os dois banheiros do
avião estão ocupados. Em um deles tem uma mocinha que entrou a mais de meia
hora. Deve estar passando um "fax"! E no outro, não da para encarar a
"bicha" enorme na porta!
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